quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

"Discurso comunista do passado..."

Pude perceber hoje, por meio do Jornal da Cultura, a imagem que uma certa elite tem de discursos comunistas ou socialistas. Toda e qualquer afirmação que vá contra o livre mercado e todas as consequências que esse liberalismo excessivo tem para a economia e, principalmente,  para a sociedade não é visto como bons olhos.

As notícias do Jornal estavam sendo comentadas por dois professores da USP: um de filosofia, Vladimir Safatle, e uma de Direito Internacional, Maristela Basso. Infelizmente assisti só os dois últimos blocos do jornal, mas pareceu que os debates estavam acalorados durante todo o telejornal.

Foi após uma  reportagem sobre os problemas que o Brasil está enfrentando com o apagão devido à crise no setor de energia que minha afirmação do primeiro parágrafo ficou evidente. A reportagem mostrou alguns  empresários de São Paulo que enfrentaram prejuízos por conta da falta de energia nos últimos meses, seguida por uma outra matéria sobre uma reunião com representantes das concessionárias de energia e as medidas tomadas pelas empresas para remediar os transtornos.

O comentário

Comentando que há um descompasso entre a visão dos usuários e do governo, o professor Safatle, entrou na discussão sobre o problema dos lucros exorbitantes das concessionárias, que enviam grande parcela do dinheiro para as matrizes e deixam de investir no Brasil. A professora de Direito Internacional até fez um certo coro com ele na crítica de falta de investimentos na rede nacional, mas defendeu o lucro das empresas como um 'direito adquirido'.

O problema do lucro

O debate se aqueceu mesmo quando o professor começou a aprofundar a discussão sobre o lucro comentando uma pesquisa feita (provavelmente pela USP) sobre o preço do automóvel brasileiro e os lucros exorbitantes desse setor enviados para o exterior o que daria um caráter até de "exploração". Foi ai que a professora proferiu a máxima liberal ao dizer que a fala do professor de filosofia era "um discurso comunista do passado".

Vendas e mordaça

A afirmação da professora Maristela - que posteriormente até se colocou conta o novo sistema de cotas para as universidades públicas paulistas por não se basear na meritocracia à lá Estados Unidos -, mostra o quanto o liberalismo parece cegar uma elite e uma pseudo-elite preocupada em sempre manter sua renda a qualquer custo.

Estamos numa sociedade totalmente baseada no consumo, quando cada indivíduo é tudo o que possui, mesmo sem conhecimento útil algum e pouco valor para uma educação de qualidade (como comentei em posts passados).  Um consumismo exacerbado abre todas as oportunidades favoráveis para aumentar cada vez mais os lucros dessas empresas que fazem do parque industrial brasileiro um parque de diversão de renda fácil e exploração velada para todos.

Negar que há rendimentos excessivos e classificar um discurso que se preocupa com o grau de exploração da sociedade como "antigo", a meu ver, é negar totalmente o bem-estar e a qualidade de vida da grande massa da população e privilegiar aqueles poucos pertencentes à classe dominante que decide onde, como e quando o dinheiro deve ser aplicado. Decisões, inclusive, que têm até o poder de deixar uma economia na condição totalmente dependente não permitindo um desenvolvimento mais eficaz que depende de uma infraestrutura forte e confiável.

De todas as aulas de economia política e desenvolvimento econômico o que mais ficou de importante sobre esse "discurso comunista antigo" é que ele não serve apenas para defender um modelo de economia comunista ou socialista, ele serve também para mostrar aos capitalistas cegos e fanáticos que há um lado que é preciso ser pensado e este lado é a sociedade, os trabalhadores, a classe média baixa, os pobres, aqueles que passam fome, que não desfrutam de saneamento básico, saúde e educação com qualidade. Infelizmente estes temas são apenas políticos e entram nas agendas de debates apenas eleitorais. Quando não estão por detrás de votos e conquista de eleitores se tornam um empecilho "antigo comunista" soando como um mosquito irritante numa noite tranquila.

Em tempo: vale dizer que uma parte da crítica da professora Maristela foi extremamente justa quando ela falou que o governo não faz todos os investimentos com os tributos que arrecada. Mas o conjunto de suas palavras pareceu muito mais que se ela continuasse a falar defenderia a privatização até da administração pública para garantir a eficiência dos recursos.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Etanol, propaganda e consumismo



 Não é sem motivo que estão chovendo propagandas sobre o uso do etanol combustível na televisão aberta brasileira. Um artigo do professor da USP José Goldemberg na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo sobre a crise energética no Brasil deixa claro o que levou uma campanha tão forte para o público. Numa era em que ter automóvel parece ser muito mais uma necessidade social que real, a quantidade de carros circulando diariamente justifica a intensidade da campanha disparada pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).

No artigo do Estadão, Goldemberg mostra os problemas dessa crise e o dado mais expressivo é a queda da produção, que caiu de 27 bilhões de litros por ano para 22 bilhões em 2012. Uma queda como esta parece preocupar o setor e justificar muito bem a campanha. Todas as vezes que assisto a esses comerciais os vejo quase como uma lavagem cerebral. É fato que ultimamente o preço do etanol parece não compensar tanto frente ao da gasolina - motivo para a alta desse preço também é exposta no artigo e envolve os preços dos fertilizantes usados nas lavouras de cana. Mesmo assim, a campanha está lá e parece mostrar um outro lado do combustível... o lado da geração de empregos e movimentação da economia. O discurso do comercial é claramente de fundo econômico e pouco importa as "qualidades" do combustível renovável.

E o que mais me chamou a atenção é o público alvo desta propaganda que envolve até crianças. O vídeo que selecionei para ilustrar essa matéria é justamente um dos que mais vi circular na mídia nestas últimas semanas. O ator Lucio Mauro Filho convence a motorista a abastecer seu carro com etanol por meio das duas crianças do banco traseiro. As vezes é útil assistir aos comerciais pensando em quais são as mensagens e quais são os públicos às quais elas se destinam. No conjunto, os comerciais da Unica parecem atirar para todos os lados para tentar reverter a crise do setor.

Hábitos de consumo

Enquanto o setor de energia discute a crise, acho que um outro tema deveria ser revisto: os hábitos de consumo dos brasileiros. O que parece acontecer hoje é que as pessoas não têm mais carros porque precisam fazer longas viagens a trabalho ou precisam dele para transportar os filhos e tudo o mais, ou seja, necessidades reais.

Basta olhar um grupo de jovens que acabaram de sair da adolescência e contar quantos deles possuem seus carros próprios para comprovar que ter um carro é como um bilhete de aceitação social, uma forma de garantir a inclusão num grupo chamado "classe média em ascensão" que consegue ter este bem, não importa quanto dinheiro perca, quantos meses tenham que pagar e nem quantas oportunidades de investimento abrem mão apenas para poderem desfilar por ai com o tal 'possante'.

Já presenciei casos de parentes que não tinham sequer perspectiva de fazer um curso superior, mas investiam o dinheiro que não tinham para garantir um carro, mesmo que usado. A necessidade não era real, mas sim apenas para a pessoa poder se inserir neste tal grupinho.

Enquanto isso, nosso trânsito vai ficando cada vez mais atolado e complicado e não se dá a devida atenção a alternativas de transporte coletivo. Melhorar o transporte público, ressuscitar a malha ferroviária para passageiros, pensar na construção de metrôs em cidades com grande crescimento e melhorar aqueles que já existem na capital... pouco parece ser pensado nestes assuntos afinal na nossa sociedade consumista o individual está sempre acima do coletivo e o meio ambiente não passa de discurso da moda que vai e vem das pautas e das rodinhas de bate-papo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Balé e tecnologia

Há tempos que não parava tudo para assistir a um vídeo de dança. Esta semana resolvi baixar alguns vídeos inspirado no programa do Cinemark com balés do Royal durante os próximos meses e me surpreendi com o primeiro que assisti.

"Alice no País das Maravilhas", uma produção do The Royal Ballet, coreografado por Christopher Wheeldon é uma produção excelente. Parei de acompanhar há um tempo, mas pelo jeito o balé clássico não é mais como antigamente. Esta produção de 2011 mistura muita tecnologia, efeitos de cena muito interessantes e vários toques de humor. A melhor parte é que incluíram um show de sapateado no meio, justamente o Chapeleiro Maluco (adoro sapateado).



Quando comecei a assistir fiquei intrigado para saber como fariam as transformações de tamanho da Alice e o que vi achei muito bem bolado. Com efeitos de projeção de imagens e uma caixa em foma de uma sala cheia de portas pequenas a produção do Royal conseguiu fazer a primeira bailarina Lauren Cuthbertson encolher e crescer no palco de uma forma muito criativa.


Os toques de humor são excelentes também. O balé consegue ser leve e bem coreografado e não compete com a tecnologia usada na apresentação, cada um no seu ritmo certo. Para quem gosta, é um vídeo que vale a pena assistir para sair um pouco daquelas produções de sempre.

"A imaginação econômica" (A Grand Pursuit)



Aproveitando o embalo nos posts, resolvi escrever sobre um livro que estou lendo: "A imaginação econômica: gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história" de Sylvia Nasar. Não tenho a capacidade crítica de um especialista para criticar, mas achei que o subtítulo força um pouco a barra. No entando, o livro é bem interessante como uma obra para se olhar a economia política através dos bastidores.

Nasar não se foca apenas nas teorias de Marx, Keynes, Schumpeter e outros nomes fortes da economia, mas também vai traçando uma sequência cronológica de fatos das vidas destes e de outros autores aliando vidas pessoais, acadêmica e política de cada economista, acontecimentos na política e economia mundiais e as teorias propostas por estes grandes nomes da economia no contexto exato em que cada "imaginação econômica" ganha seus adeptos.

Ainda não sei ao certo, mas dizer de gênios que mudaram a história pareceu-me um pouco forçado demais, uma vez que alguns dos nomes que Nasar cita sequer passou pela boca de algum professor de Economia nestes dois anos de curso. Entretanto, como acabei de dizer, SÓ foram dois anos e História do Pensamento Econômico é uma matéria que tarta para chegar, portanto, minha crítica é totalmente infundada. Além disso, retomei a leitura apenas agora. Como comentei no post anterior, este semestre foi cheio o suficiente para ocupar uma grande parte do meu tempo.

Enfim, vale a dica para quem quer ler algo sobre economia que não sejam modelos, teorias e estatísticas. O livro de Nasar consegue traçar um tripé muito legal entre vida, contexto e teoria de cada autor e esses fatos ajudam muito a visualizar quais foram as influências que cada autor teve ao ter a tal ideia brilhante para suas teorias que "mudaram a história".

Para mais informações sobre o livro e sobre a autora, consultar o site da Cia das Letras.

Mais um semestre... mais um balanço.

Mais um semestre se vai e com ele volta aquela sensação de que eu não escrevi tanto quanto gostaria aqui no blog! E olha que assunto não faltou... Porém, de certa forma, acabei deixando de lado o blog de propósito para perseguir o objetivo de conseguir estudar com qualidade para todas as matérias. A meta de ficar com média 8 em todas as matérias chegou perto até agora, mas ainda faltam notas. O resultado positivo é que esse semestre foi realmente interessante...

Uma das matérias mais interessantes na qual me matriculei neste semestre foi Formação Econômica do Brasil I (CE491), com o professor Fábio Campos. Se minha memória não foi prejudicada com as noites em claro, devo ter publicado um texto aqui no blog sobre alguns dos temas dessa disciplina. O mais interessante, e até certo ponto, revoltante, é a do patrimonialismo brasileiro, essa herança de nossos colonizadores que parece não se desligar das classes que se mantém no poder até hoje. Junto a isso, toda essa estrutura de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que tanto é citado por Mino Carta em seus artigos no Carta Capital. Não é sem motivo que Carta vive se referindo à casa grande ou aos coitados da senzala, afinal, muito daquela ideologia arcaica ainda não foi superada por aqui.

Outras disciplinas interessantes foram, em conjunto, Macroeconomia 2 (CE472) e Métodos de Análise Econômica 3 (CE342). A primeira, com o professor Rogério Andrade, teve o objetivo de apresentar o tão conhecido modelo IS-LM e AS-AD na visão da Nova Síntese Neoclássica. Apesar de o curso não se descolar muito do manual Macroeconomia de Olivier Blanchar, tomar contato pela primeira vez com a construção desses modelos é muito interessante por permitir visualizar as importâncias de políticas fiscais (alterações nos gastos do governo ou nos tributos) e de políticas monetárias (quantidade de moeda que o Banco Central coloca em circulação na nossa economia) e como as duas se conversam e promovem o equilíbrio entre mercados é muito bonito. Porém, a realidade deste modelo ficou para outro momento (uma falha do curso, infelizmente). É perceptível que o modelo e a realidade não andam de mãos juntas por cima do arco-íris, mas vale usar os conceitos para pensar um pouco o que é feito pelo governo e o que é divulgado pela imprensa.

Pegando o gancho da imprensa (que vai render o próximo post/artigo) a segunda matéria que citei (Métodos 3) fez um esforço de construção dos "arcabouços teóricos", ou seja, as 'escolas' de pensamento dentro da economia que propiciaram a construção do modelo de metas de inflação brasileiro. A disciplina, ministrada pela professora Ana Rosa Sarti, mostrou a evolução dessas escolas da macroeconomia desde Keynes e os keynesianos, Friedman e o monetarismo, até os novos clássicos, síntese neoclássica e etc. O interessante de toda essa construção da disciplina foi verificar a importância que se dá à inflação no país e o quanto o Banco Central brasileiro persegue ou se distancia da teoria em favor da prática.

Além destas disciplinas, uma outra disciplina infelizmente deixou a desejar esse semestre: Microeconomia 2 (CE362). Na verdade, as duas matérias de microeconomia que foram ministradas este ano para nossa turma revela uma fraqueza da Unicamp: falta de professores. Sem tirar os méritos do aluno de doutorado que ficou responsável pelas duas disciplinas durante estes semestres, a questão que fica evidente é que a universidade precisa voltar a pensar na quantidade de professores que estão na ativa. A área de microeconomia do Instituto de Economia da Unicamp carece de professores, por conta disso, a atribuição de aulas se parece mais com um grande quebra-cabeças com muitas peças faltando e sempre se opta por peças coringas que são alunos de doutorado do instituto. Esta é uma ótima oportunidade de aprendizado para o aluno de doutorado, mas parece não haver a percepção de que, enquanto o doutorando aprende, o graduando desaprente, por assim dizer. Não houve este semestre um acompanhamento pelo professor responsável pela área do conteúdo que era passado aos alunos de microeconomia 1 e 2 (no período noturno). Durante os dois semestres o "professor" simplesmente copiava o conteúdo de alguns slides impressos que ele tinha em mãos, explicava pouco a teoria e um pouco mais a resolução dos exercícios - afinal, suas provas se resumiam à exercícios com números cabulosos e até com elaborações erradas de questões! Enfim... um pouco vergonhoso para uma universidade do tamanho e do gabarito da Unicamp (e parece que o problema não é só da economia).

Mais uma vez aproveitando o gancho, outra matéria que é o oposto daquilo que acabei de comentar foi Estatística para Experimentalistas (ME414), oferecida pelo Instituto de Matemática e Estatística. Até agora eu sinceramente não entendi se eu tive aula com um professor concursado e um aluno de doutorado ou se foram dois alunos de doutorado... o fato é que a preocupação destes dois professores (desta vez sem aspas) foi incrível. Esta é a segunda (ou terceira vez) que tentei aprender estatística, mas agora consegui entender todo o conteúdo com muita clareza - e o melhor: vi muita utilidade no que foi passado. Apesar da falta de interesse de grande parte dos alunos que estavam na sala apenas para registrar presença, os dois professores formaram uma excelente dupla e sempre se mostravam preocupados se todos estavam entendendo claramente a matéria. Foi um curso ótimo de exatas (por mais que eu odeie exatas!!).

E por fim, mas não menos importante, a matéria de Economia Política 2 (CE405) foi um intensivo dO Capital de Marx. Passamos pelos capítulos essenciais dos três livros da obra com o professor Sérgio Prado. Prado bem queria se aposentar e dar esta disciplina como a última de sua carreira, mas a falta de professores (de novo ela) o fez ficar por mais um semestre no instituto e ministrar História do Pensamento Econômico para outra turma, que não a minha. Apesar de seu jeito rabujento de ser, as aulas foram ótimas. O mais incrível foi sua preocupação com a qualidade de nossas leituras e de nosso aprendizado. O professor usava slides para condensar o conteúdo dos capítulos propostos e indicava as partes mais importantes para ler e se atentar. Provas condizentes com o conteúdo, correção justa e até um pouco de bom humor em algumas aulas garantiram uma visualização da principal obra de Marx muito satisfatória e, sinceramente, um pouco de tristeza por ser apenas neste curso que Marx foi visto com tanto aprofundamento. (Sei que existe uma disciplina eletiva do professor Plínio sobre Marx, mas esta não está no catálogo para o primeiro semestre de 2013, infelizmente).

Enfim... acho que deu para perceber que foi um semestre intenso. Fazer quatro créditos a mais que o normal não foi fácil, mas foi muito enriquecedor. Fica aquele desejo/sonho de não precisar trabalhar e me dedicar exclusivamente aos meus estudos, mas as férias estão ai, a pilha de livros me aguarda e nos próximos semestres talvez eu consiga realizar esse tão esperado sonho com a bolsa Fapesp e meu curso de mestrado =D

Vou tentar publicar no 4shared os arquivos de resumos e listas de exercícios das disciplinas aqui relatadas... quando eu fizer, coloco o link em um post.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Percalços da educação: os alunos e o colegialzão



Todos apontam sérios problemas da educação brasileira. Quer seja pública ou privada, sempre há alguma crítica às instituições e organizações. Apesar disso, não me deparei ainda com apontamentos sobre o "estudante" de hoje.

Há meses venho observando ou ouvindo reclamações sobre o comportamento e de alguns alunos da Unicamp. Quase terminando o segundo ano de Ciências Econômicas, um apontamento ficou claro numa dimensão muito complicada: alguns alunos (provavelmente grande parte, mas não quero generalizar) estão numa universidade pública com o nível da Unicamp única e exclusivamente para obter o diploma, conseguir um nome no currículo e ficar rico. E como o diploma é o fim, os meios para se chegar a ele pouco importam... esses meios têm, na verdade, significado tão pequeno que chega ao ponto da falta de respeito com os espaços e direitos alheios.

Um primeiro indício desse comportamento é a posição que esses alunos têm frente ao conteúdo proposto pelas disciplinas do curso. "Isso vai cair na prova? Não? Então não quero nem estudar", frase proferida por uma aluna em sua segunda graduação. As teorias são única e exclusivamente lidas e decoradas com a finalidade de se obter uma boa nota em provas. Esse conteúdo não serve para ser mastigado, digerido e chegar à uma massa cinzenta para formar um raciocínio crítico quanto ao papel desses indivíduos frente à sociedade. Ler Karl Marx, por exemplo, tem como única utilidade tirar uma boa nota nas provas da disciplina de Economia Política. Qualquer crítica às leis de produção e reprodução do capital, da forma como esse capital se distribui na sociedade, como a classe trabalhadora é explorada pela classe capitalista para dessa relação surgir os lucros e todos as outras críticas relevantes desse pensador não fazem sentido algum senão tiver que ser decorado e vomitado nas folhas das avaliações.

A mesma coisa acontece com todas as disciplinas. Na ânsia de receber conteúdo (sequer dá para usar o verbo aprender) para tirar boa nota, a proposta pedagógica e lógica das disciplinas que formam a grade do curso é perdida... uma disciplina não é jogada a toa num catálogo. Pressupõe-se importante que um profissional saiba este ou aquele assunto e, mesmo que sequer irá trabalhar com isso, pelo menos que ele tenha tido um contato com o assunto para poder relacionar temas semelhantes se um dia for necessário. Não é só porque quis seguir carreira no jornalismo impresso diário que eu não tenho que saber como são as áreas de radio, tv e assessoria de imprensa; ou se quiser a área de história econômica, não me é dispensável estudar estatística, cálculo e econometria para um dia elaborar um modelo econômico ou avaliar populações e rendas quando necessário, por exemplo.

Um segundo indício desse comportamento têm ficato também evidente nas últimas semanas e é totalmente ligado ao anterior: as conversas em sala. Pressupõe-se que todos que estejam dentro de uma sala de aula de uma universidade pública estão ali por livre e espontânea vontade, têm o mérito de terem sua formação financiada por dinheiro público e, acima disso, devem ter como interesse comum adquirir uma formação de qualidade, afinal escolheram o caminho público da formação superior (um caminho que não é fácil e carrega consigo muita responsabilidade). Porém, isso é mera teoria e pura divagação minha. Hoje a quantidade de alunos que entra na sala com interesse muito próximo de zero é gigantesca e esse comportamento parece não ser exclusivo do curso que eu faço.

Já  ouvi reclamações inúmeras vezes de colegas de classe que fazem disciplinas com outras turmas de outros cursos e relatam a falta de respeito do aluno para com o professor neste quesito conversa. A Unicamp é uma área livre para alunos, professores, funcionários e interessados. Ninguém é arrastado até uma disciplina sem necessidade. E, por mais que o currículo exija disciplinas com as quais o aluno não se identifica, elas precisam ser cursadas e concluídas com nota e "presença" mínimas. O problema é que ao considerar todas essas variáveis, alguns alunos se prendem à sala de aula e fazem das carteiras e cadeiras balcões e banquetas de bar onde ficam a discutir as últimas novidades com os companheiros de "breja". Isto é no mínimo desnecessário, na média falta de respeito com o professor e no máximo uma falta de respeito com outros colegas de classe que estão valorizando o dinheiro público e tentando aprender o conteúdo da melhor forma possível.

Isto ocorre em salas de outros cursos, mas eu reparo principalmente na minha sala e numa turma específica de uma disciplina de exatas, oferecida por outro instituto da Unicamp e que reúne alunos de três cursos diferentes. Há alguns dias o nível de conversa beira o ridículo. Há aqueles que conversam sobre futebol; sobre a viagem do final de semana; sobre a roupa de marca que comprou; ou sobre problemas conjugais; há também aqueles que discutem a matéria dada a aula inteira com o colega do lado ou que usam a aula para resolver exercícios de outra disciplina e ficam tirando dúvidas com o vizinho como se estivessem em aulas ou monitorias particulares sozinhos numa sala de estudos. Ou falta o bom senso, ou a educação, ou uma clara noção de coletividade. Conversar ou cochichar atrapalha o raciocínio do professor e a concentração dos demais alunos. E inclusive parece ser difícil enxergar esse problema de forma clara...

Acredito que o assunto renderia ainda longos e extensos parágrafos cheios de indícios e comportamentos inadequados de alunos dessa rede pública, mas não vou me estender. O fato é um só: aprender para evoluir criticamente já não é o objetivo da grande maioria! (Ou será que esse nunca foi e só agora me dei conta disso?)

domingo, 9 de setembro de 2012

"Ensaio sobre a lucidez" e o oportunismo político limeirense



E se em outubro 83% dos votos dos brasileiros de todo o país forem votos brancos? Engraçado parar para pensar nesta possibilidade, mas será que isso algum dia aconteceria de verdade no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo dito democrático?

Este é o tema do livro "Ensaio sobre a lucidez" do escritor português José Saramago, uma boa leitura para este ano eleitoral. Apesar de o livro ser tão incrível como qualquer outra obra do autor, a mensagem que ele passa, sinceramente, não parece ter tanto efeito na realidade.

O livro é praticamente uma continuidade do "Ensaio sobre a cegueira" e usa, em uma boa parte da história, o mesmo grupo de seis cegos, uma mulher com visão perfeita e o famoso cachorro das lágrimas. O papel deles no livro é servirem de bode expiatório para o governo, marionetes muito bem usadas pelo poder político para tentar justificar o motivo da descrença geral na "festa da democracia", como muitos brasileiros e partidos daqui definem as eleições - não vou dizer o final, claro, e quem quiser saber se a tática do governo deu certo ou não tem que ler o livro.

Este é o quarto livro que leio do Saramago. Com exceção de "A viagem do elefante", este, o "Ensaio sobre a cegueira" e "As intermitências da morte", têm um certo padrão de como as coisas se desenrolam. Posso estar forçando a barra ao falar do padrão, mas acho que é esta a palavra, afinal, nos três livros um acontecimento anormal assola um país (voto em branco ou lucidez, cegueira branca e a imortalidade, respectivamente), a população é isolada e o oportunismo da população é aflorado com conflitos e situações que beiram a falta de humanidade, como no célebre ensaio da cegueira.

A questão que captei desta obra do Saramago é o poder de manipulação do governo, ou de maneira mais ampla, da política. Até onde um político pode ir para defender seu cargo em nome da segurança e da paz nacionais? Indo além, um outro questionamento que pode ser levantado com o livro é: o povo seria mesmo capaz de votar em branco da forma como Saramago colocou?

Olhando as campanhas políticas deste ano em conjunto com as pesquisas dos principais candidatos à prefeitura de Limeira, por exemplo, a resposta é clara: NÃO, o povo seria incapaz de votar em branco. O motivo é simples, a meu ver: o povo mal consegue avaliar as propostas e a vida dos candidatos, quiçá será capaz de avaliar a possibilidade de se manifestar contrário ás opções que lhe é dado nas urnas. (Vide a eleição de Tiririca! em 2010)

Todos os anos, pelo menos em Limeira, as opções de voto pouco mudam. Um dos candidatos está concorrendo pela zilhonésima vez e deve acreditar que, assim como o ex-presidente Lula, mais cedo ou mais tarde ele vai conseguir entrar para o comando do poder Executivo. Os boatos sobre o candidato são sempre muito negativos, além disso, quem olha para a cara dele e o ouve falar por mais de meio minuto já enxerga um candidato totalmente incapaz e despreocupado com a real situação limeirense.

Tenho que concordar com um professor de Formação Econômica do Brasil que, usando o texto de Raimundo Faoro ("Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro", de 1976), afirmou que política no Brasil só serve para atender a interesses próprios dos políticos. O texto citado mostra como as características dos portugueses lá do século XVI e a forma como eles administraram sua colônia brasileira influenciaram no que o brasileiro é hoje e na forma como fazemos política por aqui. Estou fazendo o resumo mais simplista e superficial possível, afinal li apenas um capítulo do livro, mas fica claro como as relações políticas são permeadas por favores e camaradagem, não há um comprometimento ético com a população, apenas uma preocupação superficial com o que o bolso do político e de seu partido precisa e deseja.

Em Limeira parece não ser muito diferente dessa origem portuguesa de mais de 500 anos. Apesar de parecer ser intrínseco à política municipal e até nacional, os "favores" dessa estrutura patronal, se refletem muito claramente na forma como vereadores, deputados e senadores se estruturam entre esquerda, direita e centro; oposição, situação e neutros (não sei qual seria a definição); partido da esquerda (PDE), partido da direita (PDD) e partido do centro (PDC), para usar as definições de Saramago. Pra mim ficou claro isso ao lembrar como a finada vereadora limeirense Elza Tank defendia o prefeiro Silvio Félix com dentes e unhas das investigações e ataques dos vereadores petistas (oposição) quando estes queriam exercer seus papéis e investigar as contas públicas.

A meu ver, a política limeirense passa por um momento que desmistifica aquele velho ditado que diz que brasileiro não tem memória. A cassação do prefeito Silvio Félix está ai nas campanhas e na cabeça dos limeirenses, porém, parece que está provocando um efeito totalmente adverso e levando esses eleitores a talvez escolher uma emenda pior que o soneto. A meu ver, os eleitores parecem que estão, mais uma vez, caindo nas promessas falsas, comendo o pão e assistindo ao circo eleitoral de uma forma totalmente cega, sem nenhuma lucidez. INFELIZMENTE é a política e a manipulação de mentes de experts em campanha política e comunicação de massa dando as cartas mais uma vez neste jogo sujo chamado eleição municipal!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Rap e pop, uma fórmula recorrente!

Não sei se mais alguém percebeu, mas tem uma tendência muito forte na música pop de hoje: homem cantando num estilo rap e uma cantora fazendo alguns refrõezinhos para deixar a música mais "comercializável", por assim dizer.

Não sei dizer quem foi o precursor desse estilo nos últimos meses, mas não é difícil elencar algumas músicas por ordem cronológica que têm a mesma estrutura. O que mais vai aparecer nessa lista, sem dúvida nenhuma, será o rapper norte-americano Pitbull. Depois de fazer uma parceria com Belinda, parece que ele investiu forte em parceiras femininas (e até uma masculina) e todas seguindo a fórmula do mercado (que me desculpe aqueles que gostam de criticar negativamente música pop, mas eu adoro =D).

Segue a lista que eu consigo fazer:

1) Pitbull e Belinda - Egoista. Apesar de a Belinda cantar mais que o Pitbull, a música entra na lista pela parceria entre rapper e cantora pop...


2) Pitbull e Jennifer Loppes - On the floor: essa música fez muito sucesso no Brasil por ser um plágio chique de "Chorando se foi" do grupo Kaoma;

3) Eminem e Rihanna - Love the Way you Lie: essa é a mais "velha" que consegui lembrar e segue bem o padrão rapp e pop;


4) Nicki Minaj e Rihanna - Fly: a fórmula não vale só para um casal, Rihanna e Nicki entram na lista sem sombra de dúvidas com a música Fly, basta perceber a meia dúzia de palavras que a Rihanna fala nos refrões e todo o rapp feito pela Nicki Minaj nos 80% restantes da música;


4) Pitbull e Jennifer Loppes - Dance Again: se não bastasse uma música com a cantora latina, a dupla voltou pouco tempo depois apostando em mais uma música com forte apelo dance;



5) Pitbull e Fergie - Feel Alive - está é um dos exemplos perfeitos!

6) Pitbull e Shakira - Get Started: mais uma latina para a lista do Pitbull;


7) Far East Movement e Cover Drive - Turn Up The Love: finalmente a música que me motivou esse post. Minha vizinha adolescente ouviu ela cinco vezes seguidas. Depois de deixar a fase Justin Bieber de lado, ela finalmente começou a tocar umas músicas realmente interessantes, essa foi a de hoje:


A lista não ficou perfeita e ficaram de fora inúmeras outras parcerias que seria facilmente adicionadas como Madonna e Justin Timberlake com "4 minutes", por exemplo, mas me limitei as músicas que estou ouvindo com maior frequência (com exceção de Love "the way you lie"). Espero que tenham sido dicas interessantes  pra quem gosta dessa mistura tanto quanto eu =)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Enade: uma questão de mercado?


A Unicamp aderiu ao Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e este ano o Instituto de Economia e os cursos de Gestão da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), também da Unicamp, em Limeira, passarão pela avaliação. Alunos concluintes, com um Coeficiente de Progressão (CP) acima de 0,8, ou seja, alunos que devem se formar este ano ou no primeiro semestre de 2013, deverão fazer a avaliação.

O assunto gerou algumas discussões interessantes entre professores e alunos. O primeiro fato a ser considerado é que a partir deste ano todos os alunos concluintes deverão ser avaliados e os alunos ingressantes só serão inscritos no exame, sem passar pela prova. O principal ponto positivo deste grupo mais amplo de avaliados é que as faculdades particulares não poderão mais selecionar os melhores alunos de cada curso para fazerem a prova. Portanto, ponto positivo para o Ministério da Educação.

Os boatos sobre o que ocorria com alunos de instituições de ensino superior particulares é revoltante. O mais recorrente é que algumas faculdades reprovavam alunos medianos ou ruins para impedi-los de ir para o último semestre e assim deixá-los de fora da avaliação. Vale ressaltar que são "boatos" e vou me basear neles para fazer minha crítica aos alunos das escolas públicas mais a frente. Além dessa reprovação, o que é ainda mais inaceitável é o fato de faculdades darem cursos preparatório para alunos que farão a prova e ainda garantir pontos extras nas médias finais de outras disciplinas.

Ok, vamos parar e refletir: o que é um curso superior? Qual o sentido de se ter um diploma? Cursos superiores viraram um verdadeiro mercado de diplomas! E o pior é que essas vendas são descaradas e muitas vezes essas faculdades não despejam profissionais realmente qualificados no mercado de trabalho! É uma ilusão vendida aos alunos, muitos deles de classe média ou baixa que trabalham duramente para conseguir pagar a faculdade com a promessa de ascensão social no final do curso. Além disso, preparam os alunos para uma rotina puramente prática sem desenvolver neles um sentimento crítico para com o mundo.

Afinal, quem foi que nunca ouviu a famosa frase de que um diploma pode mudar a vida de uma pessoa? Nada contra faculdades particulares, afinal minha primeira formação foi em uma, mas o problema é quando elas enxergam apenas o dinheiro dos alunos, veem em seus rostos um belo cifrão e não dedicam nenhuma porcentagem desses valores para a melhora da qualidade dos alunos.

Com o Isca Faculdades, onde me formei, foi exatamente assim. O ano que terminei minha graduação (2008) ficou marcado por um severo corte de gastos, ou seja, corte de doutores do quadro de docentes. No lugar deles contrataram profissionais que tinham apenas graduação ou especialização para dar aula aos alunos. É um absurdo a forma como a educação (até a educação superior) é tratada neste mundo capitalista!

Agora voltando a atenção para os alunos de escola pública. Criou-se um certo receio de que o exame fosse boicotado pelos alunos. Primeiro pelo simples fato de a data inicial da avaliação coincidir com um campeonato esportivo entre faculdades de economia; Segundo por questões políticas dos alunos. O primeiro fato não vou sequer discutir, já o segundo concordei com a opinião de uma professora que estava discutindo o assunto.

Segundo essa professora, os alunos de escolas públicas têm uma grande oportunidade de mostrar a qualidade do ensino público e quebrar de vez com esse mercado de peixes feito pelas faculdades particulares. Infelizmente eles não aproveitam a oportunidade. Ressalto que aqui não se trata de uma briguinha tosca entre instituições públicas e particulares. O assunto vai mais fundo: a luta é contra um mercado de diplomas que ilude uma grande parte da população com promessas de melhora na qualidade de vida e vendem cursos a preço de banana sem a qualidade necessária para realmente incentivar melhoras na educação em geral e melhoras na economia e nos avanços tecnológicos!

Podemos parar e pensar: de que forma é possível revolucionar o mundo com robôs e máquinas que apenas sabem mexer nas calculadoras, mal-gerenciar peões como se fossem capachos e tratar o ser humano com um nível de educação inferior com desprezo? Como é possível pensar o mundo de uma forma crítica se essa leva de profissionais que são vomitados no mercado de trabalho não conseguem enxergar além do seu próprio nariz e através do seu instrumental de trabalho? Falta, e muito, senso crítico para o mundo e começar quebrando o monopólio dessas instituições de ensino particulares é um bom começo para mostrar como o dinheiro compra um diploma, mas não garante qualidade crítica para pensar o papel social de um profissional com ensino superior.

PS: O Enade pode ter todos os seus problemas de formulação e avaliação, mas este não foi o foco deste texto!

O que o dinheiro não compra?



Há alguns dias estou esperando sair a nova música da Shakira e faço do Youtube meu site de buscas para ver se a versão original vazou ou não... eis que hoje escrevo no campo de pesquisa do site "shakira 2012 dare you" e qual o primeiro resultado que me aparece? "XUXA MORENA"!!!!!!!!!!!!!!!

O que o dinheiro não consegue fazer na nossa sociedade? Primeiro pagou para a loira mais irritante da televisão virar a morena mais corruptível da televisão; ela ainda diz que o dinheiro que pagou a mudança do cabelo dela vai para sua instituição de caridade (ahn?); e depois essa mídia ridícula fica jogando essa imagem da Xuxa morena a todo e qualquer custo para nós? PQP!

É incrível como a combinação dinheiro e comunicação sempre resultam em manipulação e alienação da população!! Tantos problemas mais interessantes para serem abordados com baixinhos e adolescentinhos e o que prevalece é a mudança da cor do cabelo da cinquentona irritante!?! Se ela ainda apresentasse algo mais útil no programa e fizesse de sua imagem algo de bom para uma educação melhor ou algo do gênero tudo bem! Mas cultuar uma cultura popular ridícula num programa de sábado e ainda se vender dessa forma para uma marca de cosméticos sem nenhum propósito especial além de bajular esse capitalismo dependente de padrões consumistas de países desenvolvidos é o fim da picada! =/

Youtube, tudo bem vocês precisarem de receita para viver, mas, por favor, me poupe de ver a Xuxa Morena e outros comerciais irritantes toda vez que tenho que abrir um vídeo!!!

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O PIB cresceu pouco, ok, mas e a contextualização?

Não é raro ver algumas críticas ao noticiário econômico e muitas delas são recorrentes e mesmo assim a linguagem dessas editorias continuam na mesma armadilha do economês. Acabei de ler uma notícia no site do Estadão e no final da leitura, algumas perguntas básicas ficaram sem resposta nenhuma.

A notícia é sobre o PIB: PIB foi afetado por investimento baixo e indústria fraca, dizem economistas e estava em destaque na página de Economia do Estadão à meia noite deste sábado. Primeira pergunta que vem logo do lead: quem informou o PIB? É uma informação básica e todos sabem? A resposta é não, o leitor leigo não é obrigado a saber quem divulga e mede o PIB - esta é uma informação que não tomaria mais que uma linha. Uma notícia publicada antes dava essa informação na linhafina: "Segundo o IBGE, o PIB brasileiro foi de R$ 1,1 trilhão no segundo trimestre, com destaque para o setor agropecuário". Porém a crítica: a notícia anterior é a anterior, certo? Escrever cinco palavras e uma sigla completaria a informação e poderia até ser colocado um link para a tal notícia anterior.

 Segundo ponto é sobre a contextualização com os acontecimentos recentes. O foco da matéia era o efeito do baixo investimento e da indústria fraca. Antes de mais nada, baixo investimento privado ou público? Além disso, onde foi parar a informação da baixa na taxa Selic feito esta semana e a política fiscal do governo, ou seja, os cortes do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que foram anunciados também recentemente? Também são informações relevantes e que têm total ligação com a indústria e com o consumo das famílias, mas que sequer foi mencionado em parágrafo algum.

E além do problema da falta de explicação e da contextualização, vem o economês. Uma coisa que é facilmente observável é o fato de os repórteres reproduzirem as falas dos economistas sem sequer interpretar a informação e deixá-la mais clara para o leitor leigo. É um jogo de copia e cola. Em dois parágrafos há jargões e expressões típicas de economistas que podem prejudicar o bom entendimento do leitor, como os listados abaixos:

1) "Segundo o economista e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Mauro Rochlin, o lado da demanda dentro do PIB está sendo minado pela baixa Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que caiu 0,7% na comparação com o primeiro trimestre deste ano e 3,7% perante o segundo trimestre de 2011."

Primeiro: o que é o lado da demanda? Segundo: o que é a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF)? Terceiro: o que representa essa queda de 0,7%, o que aconteceu, por que, quem é o responsável?

2) "Pelo lado da oferta, diz Rochlin, o PIB no período continuou sendo prejudicado pela anemia do setor industrial, que deu uma contribuição negativa para a conta do período, con retração de 2,5% perante os primeiros três meses deste ano. Na mesma base comparativa, o recorte da indústria de transformação apontou um tombo de 5,3%. Na avaliação do professor, o resultado ruim no setor continua sendo justificado pelo câmbio desfavorável, especialmente nos segmentos exportadores."

Primeiro: con? Segundo: o que é o lado da oferta? Terceiro: essa "anemia do setor industrial" continuou prejudicando; desde quando ela prejudica e por quê? E quarto: por que o câmbio desfavorável prejudica a economia?

Coloco minhas mãos para o alto para a arma que podem me apontar: ok, se forem explicar tudo, expressão por expressão, frase por frase, a notícia vira um livro. Será que isso aconteceria mesmo? Algumas informações podem ser resumidas com poucas palavras e deixariam a notícia tão mais clara e de fácil entendimento. O problema nisso é: a quem essa mensagem é escrita? Por que não ensinar um milésimo de economia no jornalismo e mostrar à população qual o sintoma da "anemia" que afeta o PIB também? Afinal, anemia do setor e indústria fraca é a mesma coisa mesmo?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Padrões de manipulação - argumentos para não confiar na imprensa

Para não deixar meu blog morrer abandonado, vou publicar aqui o trecho de um projeto que elaborei essas férias de julho. Comecei o período de férias com uma pilha de livros para ler e terminei com outra totalmente diferente e um projeto de pesquisa em andamento.

Aproveitando o conteúdo, vou colocar aqui uma das partes que mais achei interessante escrever que é uma síntese da Teoria da Manipulação proposta por Perseu Abramo. Esse jornalista diz que há cinco padrões de manipulação usados pela grande imprensa. O texto original é muito interessante de ser lido porque mostra a quantas anda o interesse da classe dominante nos veículos de comunicação. Além disso nos faz enxergar como devemos duvidar de praticamente toda e qualquer informação divulgada por essa imprensa gigantesca que controla a mente de grande parte da população e aliena essas pessoas de problemas realmente importantes como a educação e política, por exemplo.

Segue o texto:


O jornalismo sofre algumas críticas que são apontadas por Bahia (1990): o noticiário é inexato por conter notícias falsas ou sensacionalistas, é superficial, discrimina as minorias, é parcial, despreza seu compromisso com a educação e é manipulado. Sobre a manipulação, que aqui será discutido com mais detalhes, Bahia afirma: “A crítica contesta o grau de independência que os veículos atribuem às notícias em relação à opinião. Para ela, não só o noticiário sofre pressões opinativas dos editores, repórteres e redatores, como também da direção que controla a opinião” (BAHIA:1990, p. 24) e que, por conseguinte, controla a angulação das informações que serão noticiadas. 

Outro teórico e principal crítico do que consiste numa Teoria da Manipulação, é o jornalista Perseu Abramo (2003). Para ele, há cinco padrões de manipulação: os padrões comuns a toda a grande imprensa que são os de ocultação, fragmentação, inversão e indução; e o quinto, referente às televisões e rádios que é o que o autor chama de padrão global. Todos os padrões estão ligados com o trabalho e a dinâmica nas redações e a forma como a notícia é tratada por repórteres, editores e demais profissionais deste ambiente.  

A análise feita por Abramo parte da elaboração da pauta e a discussão do que é fato jornalístico ou fato não-jornalístico, o que será e o que não será noticiado. Essa primeira seleção dos fatos que constarão na pauta do veículo fazem parte do padrão de ocultação: “é o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. [...] É um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade” (ABRAMO: 2003, p. 25). O segundo padrão observado pelo jornalista, é a fragmentação, ou uma quebra do todo real em aspectos específicos e descontextualizados em relação ao fato concreto. O problema está na desconexão e na falta de contexto: “isolados como particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real original” (ABRAMO: 2003, p. 28). 

Os dois primeiros aspectos se referem tanto à elaboração da pauta e a orientação que o repórter recebe para trabalhar sobre o assunto, quanto na captação do próprio jornalista ao limitar a visão do todo a um ângulo restrito e condizente com a visão política do órgão no qual ele trabalha. Apesar de o debate feito aqui sobre manipulação considerar os órgãos de comunicação, vale uma ressalva feita por Charaudeau (2012) quanto às influências externas:

É preciso ter em mente que as mídias informam deformando, mas é preciso destacar, para evitar fazer do jornalista um bode expiatório, que essa deformação não é necessariamente proposital. Mais uma vez, é a máquina de informar que está em causa, por ser ao mesmo tempo poderosa e frágil, agente manipulador e paciente manipulado. (CHARAUDEAU, p. 253)

Sobre o mesmo assunto, Gilberto Dimenstein alerta quando fala sobre os jogos de poder da política: “Os jornalistas também não escapam e a imprensa, cuja missão é evitar a manipulação, frequentemente cai nas armadilhas do poder, movido a esperteza e calculismo” (DIMENSTEIN: 1990, p. 14). Ou seja, apesar de ser considerável os interesses econômicos e políticos dos empresários da comunicação, seus veículos podem também ser usados como instrumentos na guerra pelo poder e manipulação da população carecendo, portanto, de independência, profissionalismo e curiosidade para farejar o que há por detrás das informações obtidas. Este problema é também abordado por Abramo no seu terceiro padrão de manipulação, a inversão. Para manipular, na hora da estruturação, redação e apresentação da notícia, ocorre uma “troca de lugares de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial de outra realidade.” (ABRAMO: 2003, p. 28). Como um subitem deste padrão, o autor considera as relações entre jornalistas e o poder político. Segundo ele, ao selecionar uma versão específica no lugar de apresentar o fato como um todo, o órgão de comunicação pode extremar sua manipulação oferecendo ao leitor apenas a versão oficial, o que Abramo chama de oficialismo, ou, usando o discurso de Dimenstein, cair, consciente ou não, nas “armadilhas do poder”.

A inversão ainda pode ser originada da pauta e da visão e ação do repórter, mas é na edição e na diagramação do produto jornalístico que ela é mais fortemente observada. Assim, a partir deste e dos demais padrões, Abramo chega à indução:

O que torna a manipulação um fato essencial e característico da maioria da grande imprensa brasileira hoje é que a hábil combinação dos casos, dos momentos, das formas e dos graus de distorção da realidade submete, em geral e em seu conjunto, a população à condição de excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade real e a induza a consumir outra realidade, artificialmente inventada. É isso que chamo de padrão de indução. (ABRAMO: 2003, p. 33)

A diagramação das revistas semanais e mensais está inserida neste grupo de meios de comunicação que extrapola todos os demais padrões de manipulação e coroa a indução desde a sua capa até a ordem de suas reportagens nas páginas internas. A escolha cuidadosa da ilustração da capa, o tamanho, a cor e a mensagem dos títulos, a sequência de chamadas apresentada ao leitor, enfim, os elementos das capas que são os primeiros a chegarem aos olhos do leitor são o carro chefe dessa manipulação. Manipulação e angulação se mesclam aqui. Retomando os conceitos de Medina, a indução por meio dos elementos de edição podem ser enxergados a partir da lógica da angulação-massa que se manifesta “nas aparências externas – formas de diagramação atraente, valorização de certos ângulos e cortes fotográficos, apelos linguísticos como títulos e narração dos fatos. Está também nos conteúdos e no processo de captação desses, extraídos de uma realidade” (MEDINA: 1988, p. 75).

São elementos usados tanto para manipular por meio da expressão política e ideológica do veículo, como também para torna-los vendáveis aos leitores. Afinal, como diz Charaudeau (2012) na lógica do que ele chama de “contrato de comunicação midiática”, a imprensa tem dois objetivos básicos, ou visadas: “uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que tende a produzir um objeto de consumo segundo a lógica comercial” (CHARAUDEAU: 2012, p. 86). Sendo assim, seguindo a visão de Charaudeau, a imprensa, ao manipular, pensa não somente na manutenção de seus ideais e crenças, mas também naquilo que é vendável na banca, nas ondas sonoras e na tela da televisão.


ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação da grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. As técnicas do jornalismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1990.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2012.
MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988.