sábado, 5 de maio de 2012

O bebedouro




Durante as primeiras horas da manhã eles ficam esperando, ansiosos. Piando de galho em galho, observam o bebedouro amarelo e rosa com flores de plástico amarelas e azuis.  O recipiente está vazio há algum tempo, precisamente desde o dia anterior quando a água com açúcar saciou a sede deles e de mais outros visitantes que passaram pelo quintas e se deleitaram com a bebida.

Em dias normais, as flores artificiais são recolhidas às 9h e voltam em menos de meia hora com a mistura de água e açúcar. Há dias, porém, em que o bebedouro é recolhido um pouco mais tarde. Não se sabe se eles matam suas sedes em outros lugares quando a dona do jardim se atrasa, mas a barulheira que fazem quando a água chega parece ser sempre a mesma, independente do horário.  Enquanto estiver fora, passarinhos quase do tamanho das flores do bebedouro esperam nos galhos mais próximos da casa e quando finalmente chega a velha primavera onde fica o café da manhã só falta chacoalhar com tamanha movimentação.

O jardim é razoavelmente grande para uma casa de uma cidade média do interior paulista. Nele há orquídeas, bico de papagaio, coqueiro, acerola e outras flores rosas e laranja, mas a principal atração para os pássaros é mesmo o bebedouro de flores de plástico. E quanto seu néctar produzido na cozinha chega é que os fortes piados começam. São basicamente duas espécies que aproveitam a água açucarada: um beija-flor e vários daqueles pássaros de peito amarelo que mais parecem miniatura de bem-te-vi. Apesar de ter água suficiente para vários deles, as duas espécies não convivem em perfeita harmonia. Seus piados parecem mais os sons de uma torcida de uma luta de boxe que uma orquestra de flautas. E tamanha barulheira da torcida neste jardim é para estimular os corajosos a enfrentarem o rei do pedaço, o beija-flor.

Com seu tamanho pouco maior que as miniaturas de bem-te-vi, o beija-flor de um azul e verde escuros e brilhante, como se tivesse deitado em rolado em pó de madrepérola, senta sozinho em seu galho, pouco acima do bebedouro, e observa. Em atos de bondade deixa os passarinhos menores beberem a água com açúcar, mas como se controlasse o acesso à bebida, dá voos rasantes em direção aos pequenos que ousam sentar no bebedouro e os espanta com rapidez. Bem-te-vis e algumas rolinhas também passam por perto, mas não sentam-se à mesa para beber. Provavelmente não seriam postos para voar pelo beija-flor por conta da diferença de tamanho. Não se sabe. Também não pode se esperar nada dos pequenos.

Porém, quando o gato-helicóptero do reino das aves sai para outros jardins e outras árvores, os ratinhos fazem a festa e também suas brigas. Como se não bastasse serem espantados pelo rei do pedaço, ainda brigam entre si, nos galhos da primavera e em pleno voo, como se discutissem quando algum deles bebe mais do que o outro ou como se discordassem calorosamente da política econômica aplicada no seu mundo animal e continuam assim, até que o líquido acabe com a festa. Interessante seria se os piados fossem decifrados pelo homem, talvez dali sairiam tratados de uma sociedade comunista onde cada um tem sua vez, ou belas fofocas da passarinhada para a narrativa da próxima novela das nove.

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