sábado, 23 de dezembro de 2017

"Gestão de pessoas", a visão de uma dessas pessoas


Uma busca rápida na internet sobre o tema “Gestão de pessoas” traz uma infinidade de resultados. Cursos de especialização, artigos com “frases inspiradoras”, “pilares” ou qualquer passo a passo, são fáceis de encontrar entre as milhares de propostas disponíveis online. A questão, contudo, é: o que é gestão de pessoas para quem está no final da linha, do organograma ou no “chão de fábrica”? Apresentar essa visão é o objetivo deste texto.

Falar o termo “Gestão de pessoas” é algo chique. É um dos termos de um vocabulário empresarial que teve e ainda tem muito destaque quando o assunto é gerir uma empresa e, principalmente, uma equipe de funcionários. A principal promessa é sempre o desenvolvimento desses funcionários, independentemente de suas posições hierárquicas na empresa. Essa promessa, contudo, parece ser mais palpável quando ela é apresentada a todos os funcionários, exceto aqueles que trabalham nas atividades mais elementares de uma companhia. Sendo assim, ela se torna muito mais uma ilusão que uma possibilidade, principalmente em grandes empresas.

Dizer, por exemplo, que o mercado de trabalho é um ambiente no qual "leão come leão" não é exagerar na adjetivação. A maioria das empresas trabalha com um cenário pouco favorável para a colaboração entre os seus funcionários, preferindo instaurar um local altamente competitivo. A competição puxa a meritocracia que, por sua vez, leva à gestão de pessoas.

Sim, esta é, em partes, uma visão negativa de um termo tão comumente usado em conversas com coordenadores e gerentes. Dizer que o funcionário que trabalha no nível hierárquico mais baixo de uma empresa tem um responsável pela gestão de seu desenvolvimento e crescimento na empresa pode ser um discurso ilusório e manipulador. “Faça mais que você cresce!”, é desta forma que geralmente a questão é apresentada. No entanto, a negatividade desta visão está relacionada diretamente à falta de preparo de quem é colocado para gerir pessoas. 

Essa atividade não conta apenas com controle de escalas, folgas, férias e manutenção da produtividade do funcionário. Ela deve ir além e usar todas as ferramentas possíveis e imagináveis para lidar com um empregado. Apesar de existir inúmeras ações ou instrumentos que podem ser usados nesta gestão, há duas que são essenciais: comunicação e transparência.

As “ferramentas” fundamentais

Como apresentado, a gestão de um profissional deve ir além do feijão com arroz – diga-se de passagem que é apenas quando o gestor consegue ir além que ele está efetivamente gerindo alguém.
O ambiente de trabalho é um local altamente crítico. Independentemente da empresa, quer ela seja nacional ou multinacional; grande ou pequena; tradicional ou startup; as pessoas precisam trabalhar com ou sem “gosto”/"vontade"/"motivação". Em um único escritório há funcionários com perfis que são extremos opostos. Há o satisfeito e o insatisfeito com a empresa ou com a função; há o highperformer e aquele que faz só o que lhe é pedido; há quem tem filhos e duplas jornadas e aqueles que voltam para a casa dos pais depois do expediente e lá nada fazem. Listar todos os tipos e perfis levaria, no mínimo, mais umas duas laudas. A questão, contudo, é: entender o funcionário é primordial antes de qualquer coisa.

Esse entendimento passa, portanto, pela comunicação e pela transparência. Apresento elas como “ferramentas” porque, embora básicas e cruciais, essas duas palavrinhas são muitas vezes esquecidas durante um diálogo (por incrível que pareça). A comunicação, por exemplo, está em todo lugar, porém, muitas vezes ela é usada de forma errada. De nada adianta conversar com um subordinado e a ele não dizer nada de relevante, ou seja, expelir um discurso pronto e pré-formatado. Há inúmeras maneiras de dizer uma mesma palavra: com contextos diferentes, tons de voz diferentes, ambientes diferentes. Embora a mensagem seja importante, uma palavra não se sustenta sozinha na interpretação de ninguém. Há, portanto, inúmeros fatores que contribuem para a efetividade da comunicação.

O “momento adequado”, por exemplo, é um desses fatores. Como disse anteriormente, o ambiente de trabalho é um local crítico. Em questão de segundos tudo pode mudar. O slogan de uma rádio de notícias brasileira é perfeito para este caso. De uma hora para outra uma insatisfação pode surgir em um funcionário da equipe e ela se espalha tão rápido que a gestão de pessoas passa a ser uma gestão de crises. Insatisfações acontecem e podem ser geradas por infinitas causas e motivações. É neste ponto que a comunicação é essencial. De fato, manter uma comunicação clara e constante com os funcionários ajuda a evitar a maior parte das crises que podem impactar a atividade dos trabalhadores. Saber os anseios e frustrações é mais importante que ouvir elogios e falsas mensagens sobre o quanto este ou aquele funcionário está gostando de sua função e da empresa.

A proposta é, portanto, questionar: “Quais são suas reclamações?”. Aqui entra a transparência. Gestores de pessoas muitas vezes não são os donos da empresa, porém, eles recebem tais função e cargos por estarem em sintonia com os objetivos econômicos dela. Um gestor - quer ele seja coordenador, diretor ou qualquer outro cargo acima dos funcionários do “chão de fábrica” – é escolhido para manter as engrenagens limpas e funcionando. Isso tudo é óbvio, mas a questão das reclamações deveria ser tão óbvio quanto, porém, não é o que acontece na maioria das empresas.
Ouvir o funcionário reclamar é uma das ações mais justas e poderosas que qualquer gestor pode fazer. Contudo, não estamos falando de qualquer reclamação. Se pensarmos em uma escala de complexidade, do assunto mais fácil ao mais complicado, embora os gestores não devam ignorar nenhum discurso, a preferência deve ser dada àqueles casos que parecem impossíveis e sem solução.

Você, leitor, pense em algo que você jamais teria coragem de reclamar ao seu superior. Todos temos algum ponto que nos faz pensar duas vezes antes de falar mesmo que a mensagem seja elaborada da maneira mais assertiva, respeitosa e política possível, certo? Pois é, aqui está o erro. Se é preciso pensar mais de uma vez antes de fazer uma reclamação, algo está muito errado. Algo, na verdade, não está transparente e a tendência é que piore com o tempo. Sabem a máxima do “cliente satisfeito faz propaganda para X pessoas e um insatisfeito faz para 10X”? Pois é, ela não funciona apenas com clientes e arrisco dizer que ela é muito mais importante com os funcionários que com os clientes porque insatisfação contamina e afeta a qualidade do atendimento ao cliente final. É possível dizer até que ela é uma praga, mas, ao invés de ser combatida, ela precisa ser compreendida. A compreensão é a chave para mitigar qualquer falha de expectativa que, consequentemente causa toda e qualquer insatisfação.


Neste cenário, portanto, defendo que gestores não devem ser aquelas pessoas que mais entendem do processo, que mais fizeram cursos de Recursos Humanos, Gestão de Pessoas ou qualquer outro curso que é mais fácil de entrar e concluir que jogar uma partida de truco com alguém que não conhece as regras do jogo. Um gestor precisa, antes de qualquer coisa, ser uma pessoa empática e corajosa. Empática porque precisa saber lidar, principalmente, mais com frustrações que com qualquer outro assunto; corajosa, embora seja um atributo “simples”, porque ouvir reclamações sinceras e sem filtros não é algo para qualquer pessoa. Mais que isso, saber interpretar essas reclamações, ser empático com elas e, principalmente, ser sincero e transparente em uma resposta à ela é que é a questão fundamental. No fundo, um "gestor de pessoas" precisa enxergar o valor das reclamações e incentivar o funcionário a ser "contra a empresa" para melhorá-la cada vez mais - este tópico, contudo, é tema para um próximo texto. =)

O que o filme "Her" nos diz sobre ser Customer Centric?



Roberto,
 Você vai sempre voltar pra nossa casa e me contar o seu dia? Do cara no trabalho que falava demais. De como sua camisa manchou no almoço. De algo curioso que lhe ocorreu ao acordar mas você tinha esquecido. Me dizer como todos são loucos, e nós vamos rir disso. E se você voltar pra casa tarde e eu já estiver dormindo, sussurre ao meu ouvido apenas um dos seus pensamentos de hoje. Porque eu adoro o modo como você vê o mundo. Fico muito feliz de estar ao seu lado e ver o mundo através dos seus olhos.
Beijos, Maria.
 “Isso é lindo”.
“Obrigado”, disse Theodore assustado ao ouvir o elogio de um colega do trabalho que ouviu a carta sendo redigida à partir de seu ditado para o computador.
“Queria que alguém me amasse assim”, complementou o tal colega.

A carta, ditada ao computador por Theodore, é redigida em uma caligrafia apropriada para Maria. O computador se encarrega das curvas certas das letras cursivas, mas o tom e a emoção são estrategicamente criados pelo funcionário daquela empresa.

Especializada em correspondências, uma companhia criou um serviço personalizado para aquela sociedade. Quer seja no futuro ou em um presente alterado por alguma decisão favorável à tecnologia realmente acessível em todo o mundo, essa empresa teve a ideia de contratar profissionais capacitados à uma inteligência emocional mutante e evolutiva. O serviço era simples: conhecer o cliente e falar em nome dele com seus amigos de infância, familiares distantes ou distanciados pelo crescimento individual, colegas de trabalho ou até mesmo com Ricardo, o marido de Maria da carta que abre esse texto.

Embora em uma sociedade mais evoluída tecnologicamente, esse cenário é retratado pelo filme Her, do diretor Spike Jonze. No ano em que chegou ao cinema, 2013, a maioria dos comentários e críticas se posicionavam à favor ou contrários à indicação de Scarlet Johanson ao Oscar apenas pela atuação com sua voz neste filme. Ela fez o papel de Samantha, um Sistema Operacional (OS, na sigla em inglês usada no filme para se referenciar à personagem) avançado ao ponto de se adaptar ao seu usuário e desenvolver sentimentos. Contudo, não são apenas sentimentos que a OS desenvolve. Ela vai além das expectativas do usuário e cria um relacionamento com ele. Da simples interação, à amizade e até ao namoro e talvez casamento.

Quem passa por todo esse processo apresentado por Her é Theodore, interpretado por Joaquim Phoenix. Separado da esposa há quase um ano, mas ainda não divorciado, Theodore trabalha na empresa especializada em escrever cartas por seus clientes. Sensível e adaptável à todas situações, ele fala por seus clientes com todo o sentimento que eles sequer conseguiriam externalizar sozinhos. São cartas elogiando um casamento da amiga, desejando melhoras à um primo distante ou expressando a saudade de amantes que há muito não se veem.

Theodore tem uma escrita sensível e perceptiva que lhe rende a publicação de um livro com as melhores cartas selecionadas por Samantha. Ela, um OS que ele comprara e concedera acesso à todos seus e-mails e contatos, se liberta de sua condição puramente artificial para uma consciência emocional humana. Ela suspira entre suas frases mesmo sem precisar de oxigênio. Ela ri, flerta, conta piadas para Ele. Samantha lê o trabalho de Theodore e se emociona. De todas suas cartas, ela seleciona aquelas que expressam com perfeição os sentimentos mais difíceis de descrever apenas com palavras pretas em um papel branco. Ela se humaniza.

O filme trata de atendimento e expectativas correspondidas em dois níveis. No plano humano, real, Theodore compõe cartas que são certeiras e empáticas com os sentimentos de quem recebe e correspondente com o sentimento de quem o contatou para isso. No plano tecnológico, virtual, Samantha é um OS programado para atender às expectativas humanas de quem o comprou. Ela é uma Siri, um Google Assistent ou uma Cortana que vai além da capacidade assistiva para uma interação com o usuário humanizada, adaptativa auto-evolutiva.

Fora do mundo da Sétima arte, Her serve como uma exemplo do que é um atendimento humanizado. Um Analista de Relacionamento é como Theodore ou Samantha. A empresa que o contrata é o cliente dele ou o desenvolvedor dela. Os clientes da empresa, por sua vez, são aqueles que recebem as cartas escritas por Theodore ou o usuário que comprou um OS como Samantha. O fato é que lidar com clientes é ser empático e adaptável às suas mais distintas intenção, sensações e estados de ânimo.
Quando Theodore compõe a carta de Maria, além de saber exatamente o que destinatário gostaria de ouvir, ele também sabe dosar exatamente o que seu cliente precisa falar. Ele trabalha com expectativas e sabe como se relacionar com todas as suas facetas. Definitivamente não é um trabalho fácil se você for parar para pensar no que outra pessoa escreveria para um amigo que perdeu o pai, por exemplo. Dar boas notícias é fácil, emocionante, divertido e prazeroso. Dar más notícias é um outro terreno que muitas pessoas não gostam de sequer saber de sua existência. Essas pessoas o rodeiam, chegam próximas ao seu muro, mas no máximo encostam nele. “Vou estar fazendo”, “vou estar me reportando”, “vou estar tentando dar uma notícia ruim para o senhor, mas não sei como fazer, então, na verdade, vou estar passando para meu superior, tudo bem?”

O grande desafio de um atendimento humanizado não é, portanto, corresponder às expectativas, mas sim superá-las ou convertê-las. É enxergar um ponto crítico e transformá-lo em uma experiência positiva. Faz-se isso quando, por exemplo, um cliente que sequer teria direito ao reembolso de uma viagem paga em dinheiro (vide os termos de uso para se informar melhor e não fazer isso você também) e se decepciona com uma situação que ela considera negativa feita por parte da empresa. O atendente, neste cenário, consegue acalmá-la e propor uma solução satisfatória para ela não ficar sem o dinheiro que desembolsou à mais pelo serviço que usou. Faz-se isso também quando a cliente envia um e-mail falando que ficou sem bateria no celular e acabou não conseguindo pagar o motorista particular que ela chamou pelo aplicativo. A atendente, comovida pelo relato da passageira, resolve enviar à ela um carregador de celular portátil para que ela não precise passar pela situação mais uma vez.

Para além dos mimos e das intermediações, um atendimento humanizado realmente merece essa adjetivação quando a empatia é suficiente para criar um relacionamento saudável, transparente e sincero com seus clientes. Ele não é composto por frases prontas e falsos gerúndios, mas sim por escolhas assertivas de palavras e mensagens que transmitem credibilidade e segurança em nome da empresa. Esta cria vínculos, faz sua fama como ouvinte das queixas de seus clientes e, principalmente, consciente do contexto de seus clientes, como defende Claudia Vale quando o assunto é empresa focada no cliente (Custommer Centric, no inglês).

Para além do filme, quem ajuda também a entender uma comunicação que atenda às expectativas é Patrick Charradeau. Linguista francês e fundador da Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso, Charradeau defende que o processo de comunicação é dado por dois atores e suas respectivas máscaras. Cada indivíduo tem sua formação histórica, social e psicológica única. No ato de comunicação, falada ou escrita, esse indivíduo imputa intenções em suas mensagens. Às vezes essas intenções são claras, como uma ordem ou um pedido gentil. Porém, a maior parte das intenções são ocultas por uma máscara. Estratégica, consciente ou inconsciente, essas máscaras são “filtros” (sociais, econômicos, sexuais, etc.) que precisam ser interpretados pelos ouvintes ou leitores (o famoso destinatário da mensagem). Uma máscara se comunica com a outra e os indivíduos, sem seus filtros, estão constantemente interpretando, duvidando, concordando ou conflitando com as mensagens que recebem.

Nas palavras adaptadas de Charradeau, do livro Linguagem e Discurso (Contexto, 2012):

“O discurso é apenas uma máscara usada pelo indivíduo. É por isso que esse indivíduo, consciente desse estado de fato, pode jogar, com finalidades estratégicas, tanto o jogo da transparência entre ele e seu discurso quanto o da ocultação do indivíduo pelo destinatário”. Ou seja: “O discurso é sempre uma imagem de fala que oculta em maior ou menor grau o indivíduo” (a citação original e página estão no final do texto).


É, portanto, o trabalho de Theodore, em Her, ser a máscara de seus clientes. Sendo assim, o papel de um Analista de Relacionamento também é ser uma máscara da empresa para a qual ele trabalha. Embora máscara tenha uma conotação mais negativa que positiva, a teoria de Charradeau é aplicada à toda e qualquer situação de comunicação, quer seja ela positiva ou negativa; de amor ou de ódio; tristeza ou felicidade. Sendo assim, o atendimento humanizado é tão adaptável e metamórfico quanto as infinitas intensidades das interações humanas.